História da Madre

RESUMO
          Mulher simples e dinâmica de nossa época. Mística extraordinária e apóstola do Amor Misericordioso. “A Madre, como carinhosamente costumamos chamá-la, nasceu em Santomera de Múrcia-Espanha, em 30/09/1893.
            Na noite de Natal de 1930, fundou em Madri a Congregação das Servas do Amor Misericordioso.
            No dia 15 de agosto de 1951, na periferia de Roma, deu início à Congregação dos Filhos do Amor Misericordiosa.
            Faleceu com fama de grande santidade, em Collevalenza-Úmbria-Itália, em 8 de fevereiro de 1983.
            O moderno Santuário dedicado ao Amor Misericordioso, visitado em 21 de novembro de 1981 pelo Papa João Paulo II, conserva com veneração o corpo de Madre Esperança, e é meta internacional de multidões de peregrinos, sedentos de Deus, Pai das Misericórdias que “não cobra as faltas e as ingratidões de seus filhos, mas as perdoa e esquece”.
            O processo de canonização da “Serva de Deus”, está em andamento, aguardando a definição oficial da Igreja.


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Juan José Argandonha Ros, fam

... E SE
ACENDEU
UMA
ESPERANÇA

MADRE ESPERANÇA DE JESUS

Edições o Amor Misericordioso
No mais alto está Deus.

Dizem que no final do século passado, não se falava de Deus da mesma forma como Dele falamos agora. Tinham por Ele um grande respeito e um santo temor. Até mesmo onde não chegavam os efeitos do jansenismo, Deus era considerado o Todo Poderoso, o Senhor dos exércitos, vencedor de batalhas, justo juiz.
Já brilhava desde então no capítulo quatro, versículo oito, da primeira carta de João, essa pequena pérola literário-teológica que diz: “Deus é amor”, porém parece que passava despercebida entre tanta enfática proclamação da justiça e do rigor de Deus.
Em Lisieux havia se levantado uma pequena voz, advogando em favor da ternura e da misericórdia de Deus; porém, a sutil intuição de Santa Terezinha permanecia quase oculta entre o perfume das violetas do jardim e das melodias do órgão do convento.
Quase até nossos dias temos seguido angustiando-nos com a meditação da rigorosa justiça de Deus. Os pregadores falavam pouco; inclusive recriando quadros apocalípticos. Até mesmo as mais sensíveis e abertas ao eterno projeto do amor recíproco entre o criador e a criatura não podiam se desprender de certa sensação angustiosa ante a contemplação dos mistérios divinos. Era, portanto, urgente uma releitura mais profunda e exata do Evangelho; Era necessário trazer à luz toda a ternura que estava latente em suas páginas, que se desprendia de cada gesto e palavra do mesmo Jesus. Estava a ponto de florescer a teologia do Amor Misericordioso. Amor carregado de misericórdia: esses eram os atributos que Deus reservava para si e queria que o homem, de uma vez por todas, tomasse conhecimento. Esperança de Jesus se dispunha a continuar essa obra de Terezinha de Lisieux; finalmente o mundo ia tomar conhecimento dessa misericórdia.



Em odor de santidade

Por mais esperada que fosse, a notícia não deixou de causar impacto. Nas mãos das monjas, o telefone adquiriu as ressonâncias de um violino. Bem cedo pela manhã, em Roma e em Madrid, na Alemanha e no Brasil, todas as Servas e os Filhos do Amor Misericordioso, amigos e simpatizantes, já estavam sabendo: a madre acabara de falecer. As adversas condições climáticas e o intempestivo do momento escolar não foram empecilhos para uma afluência quase massiva.
Encontramos Madre Esperança em seu santuário do Amor Misericordioso, em Collevalenza, colocada sobre uma mesinha inundada de flores, qual vítima sobre um altar, com os livros que havia escrito a seus pés e uma multidão de pessoas rezando ao seu redor. As autoridades religiosas e civis já a conheciam bem. “Pode ficar exposta ao público todo o tempo que considerarem oportuno, e enquanto seu físico resistir. A Vigilância Sanitária se encarregará de realizar as averiguações”. O físico de Madre Esperança respondeu uma vez mais. Por toda a semana, cada vez mais bonita e serena, até que no domingo se celebraram as exéquias fúnebres. Antes desfilaram ante seu corpo milhares de italianos, apesar da grande nevasca. Muitos. Muitas almas. Muitíssima emoção contida.
Alguém colocou um grosso livro a seu lado. Foram caindo como brancos flocos de neve milhares de assinaturas, sentimentos de gratidão, elogios a Deus, uma comum, uma irrefreável sensação de orfandade espiritual: “Madre Esperança, por que vás? Não nos deixes sós. Madre, obrigado, obrigado, obrigado...”
Três horas da tarde de um domingo não é a hora mais apropriada para um funeral.
A ventania açoitava as montanhas centrais e somente trezentos sacerdotes dos muitos milhares que haviam desejado dizer-lhe “Adeus e Obrigado” à Madre Esperança puderam subir a colina naquele gélido domingo de fevereiro de 1983.
Outros dez bispos rodeavam o monsenhor Lúcio Grandoni, ordinário da diocese de Orvieto e Todi que presidiam a missa e a procissão do funeral. Os fiéis, as pessoas humildes, seus italianos privilegiados e mimados também estavam ali – mais de quarenta mil. Foi levada entre cânticos e orações, em procissão, da basílica superior ao santuário para que pudesse, pela última vez, ainda que encerrada em uma simples caixa de madeira, sem nenhum adorno a não ser uma cruz, ante seu crucifixo do Amor Misericordioso. O cortejo atravessou em círculo a grande praça redonda e penetrou então na basílica inferior, ou cripta. Atrás do altar, em um simples, mas bonito mausoléu, rodeada de luzes e orações, descansa para sempre madre Esperança de Jesus, como ela havia desejado, o mais próximo possível do Amor Misericordioso.

Espanhola, do pomar de Múrcia

Madre Esperança, ou madre Speranza, como a conhecem os demais, não é italiana; é espanhola. Nasceu em Santomera (Múrcia) quando este bonito povo da região murciana não era nem tão grande, nem tão opulento.
A família Alhama Valera não era rica, mas bem ao contrário. O Sr. José Antônio, “o Marta”, e a senhora Carmen não tinham nem uma mísera casinha para ir colocando seus filhinhos. Um vizinho, Antón, “o Morga”, que por sua vez cultivava em aluguel os campos da família Campillo González, lhes emprestou um pobre e precário barraco ao construir ele sua modesta casinha. Neste humilde barraco nasceu madre Esperança, no dia 29 ou 30 de setembro de 1893. Pobres de recursos econômicos, mas não de espírito e de vida; seus pais já lhe traziam à vida com oito irmãozinhos, dos quais a irmã mais velha cedeu-lhes o lugar, passando a viver na casa do pároco. Dom Manuel Aliaga a batizou na igreja paroquial dedicada à Virgem do Rosário e lhe impôs o nome de Josefa. O bom sacerdote não imaginava naquele momento que, poucos anos mais tarde, a pequena ia entrar em sua casa na qualidade de empregada para empreender a partir dali um vôo rumo aos céus. Suas duas irmãs, Inês e Maria, mais por caridade que por interesse, a acolheram na casa rural quando tinha cinco ou seis anos, proporcionando-lhe, em troca dos pequenos serviços, próprios da idade, educação, instrução e sustento. Josefina ficou favoravelmente marcada e agradecida por toda a sua vida.

Uma menina como as demais

Josefina foi uma menina esperta, ativa e dotada de uma nata e extraordinária piedade. Suas travessuras eram as típicas daquela idade, ainda que algumas estejam impregnadas de um suave aroma de santidade, já desde então.
Por não gostar de sopa, a colocou, em certa ocasião em um sapato, para abreviar o castigo materno e se esqueceu de esvaziá-lo antes de voltar a calçá-lo para sair à rua. Certa vez, aliviou o clássico incômodo da montaria e até o frio do jumento com o qual brincava em companhia de suas amigas, recortando um enorme buraco na colcha de casal de casa e vestindo-lhe pelas orelhas. Tampouco teve excessiva culpa no dia que colocou um irmãozinho no buraco do tronco de uma velha oliveira, sobre um improvisado leito de folhas secas, e ao ir buscá-lo, depois de ter ido brincar pelos campos, se deu com a criança afundada pelo interior do tronco até as raízes. A paciência e a perícia de um lenhador e o próprio sacrifício da planta evitaram o pior. Entre folhas, poeira e formigas, o pequeno apareceu ileso; quem não se saiu muito bem foi a descuidada irmã, dados os eficazes métodos pedagógicos que se usavam naquele tempo.
Estas e outras travessuras deste estilo ela mesma os relatava. Há um que ela recordava com particular satisfação: cansada de esperar a idade canônica para poder comungar, um dia que um sacerdote da forania substituía a seu pároco, ela se colocou entre as velhinhas e levantando-se sobre as pontas do pé para aparentar maior idade, pôde realizar o sonho de sua infância: receber a Jesus sacramentalmente. Nem lhe pouparam logo as reprimendas por sua falta de obediência, de adequada preparação e até do jejum eucarístico prescrito. Que importava o chocolate comido antes, se Jesus se alojava no coração e não no estômago? Ela estava intimamente convicta de que Jesus não iria se ausentar dela até que fizesse a próxima comunhão. Não sei como pensam os teólogos, mas somos muitos os que partilham de sua íntima convicção de que Jesus sacramentado não abandonou jamais o aposento generoso de sua alma. De sua parte, insiste em seus escritos para que se ensinem as crianças a convidar a Jesus a permanecer nelas depois da comunhão, mais que o tempo em que duram as espécies.

“Antes que meu coração se endureça”

Vinte e um anos não se completavam facilmente no início do século e eram necessários para ter a maioridade. Quando se somaram todos, Josefina pôde realizar o sonho de sua vida: consagrar-se a Deus, na vida religiosa. Descartou outras possibilidades e optou por um instituto em vias de extinção: o Calvário de Villena.
No início, teria gostado de atender aos enfermos, porém, certa vez, em um hospital, ao surpreender-se com o pouco interesse da religiosa que a acompanhava diante de um moribundo, esta lhe disse: “Tranqüilize-se, pois em pouco tempo seu coração se endurecerá também”, ao que a boa Josefina respondeu: “Antes que se me endureça o coração, prefiro ir-me..” e se foi.

Se o grão de trigo não morrer

Em Vilhena se dedicou às alunas e às pessoas do povo, porém o instituto, composto de um grupo de religiosas muito idosas era um instituto sem futuro. Assim, elas mesma, com Madre Mercedes Vilar Prat, aconselhada pelo padre Juan Oteo e com a colaboração do bispo de cartagena-Múrcia, Monsenhor Vicente Alonso Salgado, cooperou para que a Sagrada Congregação dos Religiosos aprovasse a fusão das Filhas do Calvário de Vilhena com as Missionárias Claretianas. O decreto de anexação foi assinado em Roma, em 30 de julho de 1921.
Josefina, que em Vilhena era Madre Esperança de Jesus Agonizante (1916), em novembro de 1921, fará sua profissão perpétua assumindo o nome de Esperança de Santiago. “Com o tempo se verá que esse foi um nome profético”, Seguramente não foi escolha sua e nem foi de seu agrado tal nome, porque, como ela comentará com humorismo mais tarde, este era o nome de uma vizinha sua, vendedora de frutos secos, que tinha por costume limpar as mãos esfregando-as com força... em seu próprio vestido.
Nove anos durará sua experiência claretiana até que, em 1930, pedirá dispensa de votos e fundará as Servas do Amor Misericordioso. Em nove anos a obediência lhe proporcionou estadia em cinco comunidades distintas. Permaneceu em Vilhena menos de um mês, depois da fusão, para ser sucessivamente mudada para os conventos de Vicálcaro, Vélez Rubio, a Rua de Toledo e a Rua do Pinar, em Madrid. Foi de tudo, menos superiora: porteira, sacristã, administradora, encarregada de crianças.
A vida religiosa era evidentemente sua área específica, o lugar e a forma de vida onde podia realizar o sonho mais profundo de sua alma: viver com e para o Esposo Divino, dedicando-se ao mesmo tempo a serviço das almas. Foram anos intensos, de rápido progresso no caminho da santidade. Por outro lado, sua vida religiosa não ia ser e nem podia ser anônima e tranqüila. Uns com surpresa, outros com receio, as pessoas que com ela conviviam iam vendo as numerosas graças extraordinárias que Deus a concedia. Sofrimentos físicos atrozes se misturavam com experiências místicas consoladoras. O bispo de Pasto, na Colômbia, mandou publicar no “Boletim da Diocese” que a religiosa espanhola se lhe havia apresentado em bi-locação para dar a ele urgentes avisos da parte de Deus. Desde a América chegavam visitas à porta do convento, perguntando por Madre Esperança. O que Deus queria dela? Para qual finalidade a estava preparando?
Agora, com a distância do tempo, vemos com clareza que Deus havia posto seu olhar nessa sua humilde serva e a reservava para que ela levasse a cabo um plano especial em benefício da humanidade. Ia ser a depositária de um carisma extraordinário: seria a encarregada de difundir pelo mundo a “nova” devoção do Amor Misericordioso. Para isso teria que ser santa, mas santa de verdade. Foram os seus diretores espirituais os que, desde a privilegiada perspectiva de sua alma aberta como um livro, puderam vislumbrar sua missão e lhe prepararam a consciência. Hoje os seus métodos podem nos parecer exagerados, mas a madre nunca os considerou assim e se submeteu com determinação à sua direção espiritual e, além de cooperar com total responsabilidade, agradeceu sempre profundamente seu apoio e colaboração. Era consciente de que tinha que se purificar, ela mesma e suas intenções, como o ouro no fogo. Assim, o Pe. Antônio Naval, santo diretor espiritual, que conhecia a sua interioridade e o tecido da qual estava revestida a sua dirigida, lhe exigiu o máximo.
Para que vêm te visitar umas pessoas procedentes da Colômbia? Pois, venham antídotos contra a soberba. Madre Esperança teve que lhes atender na recepção por obediência, mordendo um pedaço de pão com jeito de pessoa demente.
Por natureza, era extremamente limpa e gostava de levar o peitoral de seu hábito sempre engomado, branco como a neve e mais reluzente que a lua. Pois, então! A mancharia com chocolate e se apresentaria ao visitador. Fosse o caso, ele mesmo dirigiria pessoalmente as operações.
Você acha que está manchado de chocolate? Traga a xícara. E ele mesmo a esvaziava encima.
Então, filha, agora sim! Podes praticar a modéstia. Estou te purificando as intenções. Adiante!
Uma outra vez lhe ordenou que passeasse pelas ruas de Madrid, sob um sol muito forte, com um enorme guarda-sol, destes que se usam em praias, e que apenas se podia carregar com as duas mãos. Quando passava por alguém, as pessoas exclamavam: “A pobrezinha perdeu a cabeça”, e ela se avançava em virtude, o que era, no fundo, do que se tratava. Mais tarde, quando a vida lhe exigirá doses de obediência ainda mais sangrentas, a encontrará preparada. Justo e oportuno seria dizer também que seus diretores espirituais foram sempre seus constantes animadores, extremos defensores e, em momentos particularmente difíceis, seus únicos apoios humanos.
A vida de comunidade era também motivo de purificação e superação. Por que não? De bom humor.
Um dia, uma noviça lhe escondeu, por brincadeira, as galhetas da igreja que ela havia deixado para secar à beira do poço do convento, porém,depois da reprimenda da superiora, passou a colocá-las mais distante do poço. Enquanto ela estava matutando e buscando-a por todas as partes,  interveio com muita autoridade a reverenda:
“Onde você acha que elas estão? No fundo do poço. Se fosse um pouco mais obediente isso não teria acontecido. Agora você tirará toda a água do poço até que apareçam.”
__ Mas, madre, o poço é de manancial e, além disso, as galhetas não podem ter caído dentro, porque as deixei no chão como me havia sugerido...
__ Eu disse que até a última gota.
Um balde subia e outro descia, porém, segundo relata ela mesma, cantarolava sem querer uma quadrinha que dizia, “a água apenas minorava, porque eu a restituía com as gotas que suava.”
À hora de comer, ao ver a noviça que madre Esperança, em vez de ir para o refeitório, continuava puxando os baldes, percebeu o mau que a tinha causado e correu a consertar o mal feito. A única vantagem foi que a reprimenda final fora um pouco mais suave e..., a esperar a próxima.
Estas provas que tanto a ajudaram a alcançar a heroicidade das virtudes, lhe seriam úteis mais tarde para incutir a virtude da obediência em seus filhos e filhas.

O que dizer da dor...

O paralelismo com Jesus, que será surpreendente durante toda a vida de Esperança, começa desde o anonimato da infância e se materializa, sobretudo na dor. Não sei se será dor a assinatura pendente de nossos teólogos ou dos cristãos de nosso tempo, o caso é que ainda estamos por descobrir e assimilar sua importância ainda que seja fácil de se comprovar sua presença nas obras de Deus e vislumbrar seu valor. À madre Esperança lhe tocou a sorte de uma grande porção; poder-se-ia dizer que fora outra Dolorosa.  Sabemos que chegou a partilhar as dores de Jesus agonizante e crucificado até os últimos detalhes. São muitas as testemunhas oculares que afirmam que, particularmente durante a quaresma e na Semana Santa, a madre revivia e experimentava os mesmos sofrimentos e fenômenos que Jesus sofreu em sua paixão. Sempre aceitou a cruz do sofrimento com entusiasmo e a desejou e pediu com insistência. “Obrigada, Senhor – repetia – porque me tens dado um coração para amar e um corpo para sofrer.”
Como na vida de quase todos os santos, alternava na de madre Esperança gravíssimas enfermidades e curas inexplicáveis.
Por sorte, são tão recentes os acontecimentos, que dispomos de abundante documentação, séria e verídica para conhecê-la em sua profundidade. Conheceu o interior de hospitais e de salas de operação e foi conhecida por muitos médios italianos e espanhóis, ainda que ela, em extremo pudor e despreocupada com sua saúde, os recusava com tenaz perseverança; pois estava convencida de que as provas físicas Deus as proporcionava e Deus as tirava.
Vem à mente uma pequena anedota. Certa dama romana chegou a enviar-lhe um renomado especialista. Madre Esperança se deixou examinar por pura cortesia e nem se preocupou diante do diagnóstico. Eram tão graves e numerosas as doenças que o médico diagnosticou que deveria ficar de cama e recorrer a vários e caros medicamentos. Humilde e rapidamente se dirigiu a seu quarto, mas não tardou muito em voltar à porta para perguntar:
__ O médico romano já se foi?
__ Acaba de sair, madre.
__ Menos mal; pois vou-me para a cozinha que a pobre cozinheira deve estar sentindo a minha falta com tudo o que tem para fazer.
Ela não gostava de perder tempo com exames e visitas, mas era disciplinada e afável nesses momentos, mesmo que sua disponibilidade nem sempre chegava a satisfazer aos doutores. Estes a compreendiam e, sobretudo, os que a conheciam bem levavam suas atitudes na esportiva, se bem que a saúde da madre os deixava preocupados. Um médico de Todi, que a acompanhava com assiduidade, acostumava a responder o telefone, quando o chamavam de Collevalenza angustiados porque a madre estava gravíssima:
Mas o que há para ser feito? Porque se a madre não fica de repouso, então o que vou fazer aí?
“Impossível repousar – ela voltava a replicar, com um gracejo sulino - tenho muito trabalho e não posso me dar ao luxo de ir para a cama”. E o pobre homem ia embora se perguntando à luz da ciência, como aquela mulher podia continuar em pé com um quadro clínico tão grave.
Em Madrid, em sete meses, foi submetida a três intervenções cirúrgicas. Ela mesma dá testemunho da primeira em uma declaração que o Tribunal Eclesiástico de Madrid lhe solicitou sobre um suposto milagre para a canonização do padre Claret. “A operação ocorreu no hospital de San Carlos, em janeiro de 1922; fui operada pelo doutor Recaséns; pelo que o médico me disse antes de me operar, sei que me abriram o ventre e acho que a operação consistiu na extirpação de um ovário e de parte do útero”.
Contudo, os bons serviços dos médicos não eram suficientes para esta enferma. Na opinião dela tanto faz acudir à ciência humana como às forças divinas. Assim relata a madre sobre o milagre alcançado: “Pedi ao meu bom padre (Santo Antônio Maria Claret) que me alcançasse do Senhor a saúde, se me fosse conveniente... No dia seguinte a madre superiora me perguntou se eu teria ânimo para receber a Sagrada Comunhão e eu disse que sim, e então foi avisar para que a trouxessem. Eu, entretanto, voltei a recomendar-me ao meu santo padre com uma confiança tal que é impossível explicar, logo recebi a Sagrada Comunhão e junto com ela o benefício da saúde. O médico me disse: “Madre, Deus a ama muito”. “Tão simples e tão sublime.”Era o mês de dezembro de 1925 e o doutor Leonardo Pérez del Yerro concluiu seu estudo sobre o caso afirmando que, uma vez mais, a cura da madre era “extraordinária” e sem explicação natural”.
Em Collevalenza surpreenderá algumas vezes às irmãs descendo até a cozinha, enquanto a comunidade, reunida na capela, pedia por sua saúde.

Onde é o fim da caridade?    

A vontade de Deus foi sempre a mola de suas decisões e de suas obras. Por que, então, se meteu na aventura de querer reformar as Constituições de seu instituto, de encher de pobres a casa da rua Toledo, em Madrid,  e logo defender contra os ventos e a maré as crianças internas da rua do Pinar?
Foram, com efeito, três momentos sangrentos e glorificantes de sua vida. Deus a chamava, como a Santa Tereza, não a uma vida tranqüila e farta ou a uma congregação cômoda e rotineira, mas sim a uma contemplação sublime e a uma caridade solícita. Sua vida não ia ser um remanso de paz, mas um turbilhão. Também encontrou, como sempre, adesões entusiastas e frias e uma grande oposição.
No natal de 1927, na rua Toledo, a madre queria dar de comer a alguns pobres. Recorre à sua superiora. Finalmente esta consente.
__ De quanto dinheiro você dispõe?
__ Somente de trezentas pesetas.
__ Bom, então os alimente com isso, sem tocar em nada da dispensa. Madre Esperança compra um pouco de carne, azeite e algumas frutas. Pelo menos duas ou três pessoas poderiam comer.
No dia de natal, “de uma maneira misteriosa” ocorreu um grande fila de pobres, da qual não se via o final.
A madre superiora, ao ver toda aquela gente, se assusta.
__ Mas, quem os chamou?
__ Eu não, madre superiora. Deve ter sido o Senhor.
O Senhor que os havia chamado se mostrou tão generoso que “depois de haver dado o que comer a todos aqueles pobres durante dois ou três meses, ainda nos sobrou carne, azeite, frutas...”.
Onde é o fim da caridade?
Esperança quis também dar-lhes abrigo. Para isso poderia servir um galpão anexo ao colégio. E serviria muito bem. Um dia enquanto todos comiam apareceu uma das “madames” da “junta das senhoras católicas” que comandavam o centro.
__ Quem te deu autorização para colocar aqui toda essa gente a sujar a casa?
__Mas eles não estão aqui para sujar , eles vieram...
__ Você poderá colocar aqui quem você quiser, quando esta casa for sua propriedade.
À noite, na capela ouviu o que o Senhor lhe dizia:
“Esperança, onde os pobres não podem entrar, tampouco você deve entrar. Saia desta casa”.
__ E para onde vou, Senhor?

Para a rua do Pinar

As pessoas que se posicionavam a favor eram com má vontade. Assim lhe negaram, as ditas senhoras da junta a permissão para realizar as necessárias alterações e particularmente abrir uma porta que pudesse permitir às crianças entrar nas salas evitando o frio..
Madre Pilar Antín escreve ao padre Felipe Maroto, em 13 de dezembro de 1928: “O Bom Jesus disse para a Madre Esperança que, se dona Angelita não lhe abrir uma porta, Ele lhe abrirá uma casa. Assim a Providência fez com que milagrosamente encontrasse uma casa na rua do Pinar, número sete, e disse à madre que era essa a que o Senhor desejava. No mesmo dia algumas pessoas desconhecidas se apresentaram e deram os primeiros auxílios econômicos para que se pudesse comprar a casa, o que demonstra que é o Senhor quem guia os passos.”
A casa se abre com as bênçãos e a autorização da alta hierarquia: O núncio monsenhor Tedeschini, o bispo de Madrid. Este prelado foi quem deu a bênção e inaugurou a obra em 23 de fevereiro.
Um grande grupo de adolescentes pobres conviveram felizes e contentes em regime de internato com uma reduzida comunidade de religiosas. Madre Pilar Antín, vice e secretária geral, será a superiora.. Chovem elogios e parabéns no princípio. Esperança, apesar de ser a alma-mãe desta obra, se conformará com o cargo de procuradora e... avante. De novo se vê rodeada de crianças pobres a quem conduz pelo caminho mais curto até Deus. Novamente se sente feliz e faz feliz aos demais. As crianças uma vez mais a idolatram. Bonito demais para que dure.
A superiora que logo mudará substituindo madre Pilar, dá provas de querer servir-se das crianças mais que vice-versa e entre outras coisas, para que se conservem a linha, opta por cortar sensivelmente as provisões. É a famosa fome de nossos avós. A antipatia que ela conquista é geral e o tempo em que fica no colégio contado. Mais tarde regressará em companhia da madre geral para fazer uma visita “de inspeção”  bem inoportuna e provocativa. Bastou as internas vê-la e armaram um escândalo monumental. A uma só voz falavam: “Fora a gorda, fora, fora...” Saída bem desonrosa; A jovem comunidade se vê em apuros e impotente. A polícia foi chamada para por ordem. O que iria fazer?
Certa personalidade eclesiástica acreditou resolver o caso com um “basta”. Por telefone, mandou a seguinte ordem:
_  Às revoltosas, todas para a rua, imediatamente.
- E Pôs na rua uma por uma.
De noite, as crianças internas, a maioria proveniente de lugares longínquos, com situações familiares precárias...
Nem mesmo o número da Guarda Civil se sentiu com forças para executar semelhante ordem. Menos ainda a Madre Esperança. Explodiu em seu interior um angustioso conflito entre a obediência e a caridade. Prometeu, isso sim, ir estabelecendo a ordem segundo as circunstâncias o fossem fazendo humanamente possível. As crianças começaram a ir para suas casas. Sua obra vinha abaixo. Ela mesma esteve a ponto de ser excomungada. O drama moral da pobre Esperança foi uma vez mais traumatizante. Menos mal que o diretor espiritual a estava apoiando e a reconfortou em todos os momentos, assim como também o núncio Cicognani,  bispo de Barcelona, e até mesmo o cardeal Segura, que demonstraram que são, por sorte, vários os canais pelos quais se pode chegar a conhecer a vontade de Deus.
A verdade é que ela, excepcionalmente, dispunha de um elo direto com Deus, mas ainda assim era sumamente respeitosa e submissa à autoridade da Igreja e ante ao dilema entre a obediência a uma visão e a uma ordem de seus superiores, optava decididamente pela segunda. O mais doloroso é que frequentemente se sente reprimida à hora de praticar a caridade evangélica.

Reformadora não, fundadora

Os acontecimentos e a expressa manifestação divina convenceram Esperança, pouco antes de 1930, que o Senhor a havia preparado não para reformar sua congregação, mas sim para fundar uma nova, primeiro em sua versão feminina e, mais tarde, a masculina. Foi assim que, firmemente aconselhada e dirigida pelo seu diretor espiritual, em 1930 solicitou e obteve a permissão para abandonar a sua congregação. Bem sabia ela o quanto lhe custava dar esse passo e o afeto que tinha por sua família religiosa e às regras inspiradas pelo venerável Padre Claret, que até então havia observado com escrupulosa fidelidade. Porém, ante a urgente vontade de Deus, não lhe restava outro remédio que fechar os olhos e seguir em frente “custasse o que custasse”. Um pequeno grupo de irmãs a seguiu, as que mais de perto a conheciam e eram conhecedoras dos múltiplos dons extraordinários com que Deus a consolava e premiava sua fidelidade. Entre estas se encontravam sua própria irmã Maria e madre Pilar Antín, desde há algum tempo sua fiel companheira nos momentos bons e adversos, que teve que renunciar à sua alta posição no governo geral.
Na noite de natal de 1930, em um minúsculo apartamento da rua Velásquez, número 97, em Madrid, com o apoio econômico da Condessa de Fuensalida, e a assistência material e espiritual do sacerdote navarro de Abárzuza, dom Estevam Ecay, madre Esperança de Jesus pode emitir seus votos com as poucas irmãs que a haviam seguido na nascente Congregação das Servas do Amor Misericordioso. Madrid é o ponto de saída; as idéias estão claras, a vontade de se fazer o bem é incontida. As crianças serão as primeiras beneficiárias e também os pobres, os anciãos e os sacerdotes.
Apesar disso, a incompreensão, a oposição e a perseguição continuaram de olho nela. Seguirá o rosário de provas que os bons olheiros consideram “conditio sine qua non” para admitir a especial presença de Deus nas almas realmente grandes.
O bispo de Madrid, que com a famosa revolta das crianças, mudara o seu conceito a respeito de Madre Esperança, nega a sua bênção e aprovação e ordena e manda que ninguém a ajude e colabore. Enquanto ele viver, e viverá até 1963, a casa das Servas do Amor Misericordioso, em Madrid, nem sequer poderá ter a permissão para ter o Santíssimo em sua Capela. Durante mais de 30 anos, crianças e religiosas iam a cada manhã até a paróquia mais perto. Inclusive ele lhe mandará um chefe de segurança para que a expulsasse da cidade; porém, diante dos papéis em perfeita ordem e a documentação que creditava à recente congregação o título de Sociedade Civil Legalmente Constituída e oportunamente aprovada pela Direção Geral de Segurança (nem um detalhe escapava ao assessor de cima), não resta outro remédio ao funcionário que cumprimentar atenciosamente e pôr-se a caminho, pedindo mil desculpas. É de se supor que alguém no céu tenha contado ao Bispo a quantidade de missas que depois a madre pediu que se celebrasse em sua intenção, em retribuição, para ele e para outros “amigos” que, para proveito de sua alma se foram encontrando na terra.
O monsenhor Casimiro Morcillo, grande admirador da madre e de sua obra, a quem conheceu na Itália, se apressará em consertar o mal-feito tão logo tome posse da diocese de Madrid.


Primeiros Colégios


Com os tempos que se aproximam na Espanha na década de trinta, a perspicaz advertência de constituir-se como sociedade civil garantirá á nova congregação a possibilidade de expansão e sobrevivência.
Está-se a ponto de se proclamar a República e de se instalar a guerra civil. Esperança está de sobreaviso e prepara seu plano de ação.
Os vencidos, frequentemente com seus filhos, e órfãos, se verão obrigados a fugirem para o estrangeiro. Logo as crianças começam a regressar para a pátria, a maioria pelos montes fronteiriços. Madre Esperança, com suas irmãs, que vão rapidamente aumentando de número,  lhes prepara um ninho quente. Terão um prato, um livro, um leito e umas irmãs que porão todo o seu empenho para substituir na medida do possível o carinho dos familiares ausentes.
Surgem e se enchem ao máximo, nesta época,  os colégios de Madrid (1931), Alfaro (1931), Hecho (1932), Bilbao (1932), Larrondo (Vizcaya, 1933), Santurce (1933), San Sebastián (1934), Colloto (Astúrias, 1935), Ochandiano (Vizcaya, 1935), Sestao (1935), Bilbao – Ave Maria (1937), Menagaray (Alava, 1939)...
Agora já pode impor sua pedagogia de amor e misericórdia. As crianças serão os reis da casa e as religiosas os servirão como uma mãe faz com seus filhos. Nada a molestará mais do que ver uma religiosa que, em vez de servir às crianças, pretendesse servir-se delas, vivendo comodamente.
Os estatutos dispunham claramente que as irmãs comessem o mesmo que as crianças e que pelo menos 25% das crianças tivessem suas vagas absolutamente gratuitas. A presença e a ação da Providência (outra misteriosa constante na vida dos santos) tinha que estar em todo momento comprometida.


Aumenta o temporal

O horizonte geográfico de madre Esperança passou a ser o país Vasco. Em Bilbao conheceu uma jovem que “em sonho” lhe havia sido prometida como grande ajuda e que em realidade superará as mais otimistas expectativas.
Pilar de Arratia y Durañona foi outra alma excepcional. Percebe-se que foi Deus que as uniu. Ficou órfã desde jovem, mas os seus pais lhe deixaram uma fortuna generosa tanto espiritual como econômica. Tinha um autêntico afã de beneficência e ajudava copiosamente várias associações beneficentes. Em Bilbao tinha uma bonita escola para crianças pobres fundada pela sua mãe. Quando conheceu madre Esperança quis que suas irmãs tomassem conta de sua escola. Esta decisão constituiu para as crianças uma evidente vantagem, mas para madre Esperança significou um rosário de provas que culminou em seu ingresso no Santo Ofício, acusada de várias coisas, todas absurdas. As pessoas que até então se haviam beneficiado da direção do centro escolar e da assistência da rica benfeitora, trocaram de repente seu apreço em aberta hostilidade e moveram mundos e fundos para lhe fazer a vida impossível. Conseguiram criar inimizades com as altas hierarquias eclesiásticas da região e até algumas das próprias Servas do Amor Misericordioso, aproveitando as fraquezas humanas de cada uma. Assim a mesma secretária geral, até então íntima e devota colaboradora, na ilusória expectativa de ser considerada co-fundadora e Madre Geral, acabou sendo convencida a colaborar com eles para tirarem a madre e poder assim substituí-la.
A excepcional perspicácia espiritual de Esperança e suas muitas e variadas experiências sobrenaturais, que seus perseguidores bem conheciam, se prestavam a grandes acusações, pelo que não foi difícil obter que seu caso chegasse ao Vaticano. Sem querer lhe estenderam a âncora de salvação. A Igreja de Roma, obviamente, não estava para brincadeiras. Assim a estadia na Cidade Eterna se converteu de prisão inicial em definitiva plataforma de lançamento. Pilar de Arratia, cuja fabulosa generosidade lhe tinha aberto as portas dos discatérios romanos,  se encarregou de ir desfazendo uma por uma todas as calúnias que chegavam, segundo os mesmos cardeais as ia comunicando.
_As suas crianças eram vítimas de maus tratos?!
Pilar socorria por carta a sua amiga, a presidenta do Conselho Tutelar das Crianças, e esta com mil amores lhe proporcionava as informações necessárias nas quais falava detalhadamente do trabalho humanitário das irmãnzinhas e a conseqüente satisfação e aprovação das autoridades.
- Tampouco havia jamais extorquido dinheiro aos marqueses de Zahara, muito menos com ameaças de represálias divinas. Assim se fazia saber por correspondência a mesma senhora marquesa à Pilar, ajuntando carinhosíssimas saudações à madre.
- Que estava passando Pilar de Arratia para trás, enganando-a como uma tonta e servindo-se dela?
- Obrigado pelo “tonta”, porém era mais adequado antes de ter conhecido a madre.
- Que se tratava de um perigo para a ortodoxia da Igreja?
Podiam ficar tranqüilo os acusadores. O Santo Ofício já se havia encarregado de comprová-lo; para isso a madre estava ali. Por muito severo que fosse o Santo Ofício, logo se deram conta no Vaticano que mais uma vez o lobo estava acusando o cordeiro. Dispuseram-se a julgar uma herege e encontraram-se com uma amantíssima filha da Igreja.


Uma Romana de Múrcia

Mas madre Esperança já estava em Roma. O mau feito já estava desfeito. Aproveitou para estabelecer ali a sua Congregação. Obtido o visto positivo do Santo Ofício já não teria praticamente oposições nem perseguições, senão, ao contrário, veria a partir dali crescer e estender sua obra rapidamente. De Pio XI a João Paulo II, que terá o gesto irrepetível de a ir visitar pessoalmente no seu santuário de Collevalenza, todos os pontífices lhe manifestaram apreço e até mesmo agradecimento.
Ela, por sua parte, sentia profunda admiração pela figura do representante de Cristo na terra e de todos e de cada um desejou e obteve em audiência particular a Bênção Apostólica que a enchia de alegria e confortava interiormente.
Em Roma, na via Casilina, que se estica pela geografia peninsular até Nápoles, madre Esperança se alojou, alugando primeiro o Convento das Irmãs de Namur e construindo um novo mais tarde na área em frente. Hoje,  o vistoso imóvel, que foi testemunha de tantos gestos de caridade, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, acolhe religiosas de Madre Tereza de Calcutá. Particular destino desta casa e de seu jardim que hospedou em pouco tempo a duas das estrelas religiosas mais cintilantes deste século! Na Itália, às vezes, se encontram esses dois nomes na boca do povo.
A atividade caritativa em Roma adquiriu cotas dificilmente críveis. Outra vez comida milagrosa em quantidade industrial para os pobres, as pessoas que chegam aos milhares a apoiar-se na madre quando o alarme anunciava a ameaça de  bombardeios e essa mulher espanhola que pega agulha e linha e um balde de água límpida e lava as vísceras, costura as feridas, recompõe os corpos mutilados, promete com energia sobrevivência e recuperação e responde aos doutores que logo a acusam de ser intrusa temerária: E onde estão vocês enquanto esses pobres agonizam sem esperança? Claro que me sinto responsável pela sua saúde, sempre e quando vocês não voltam a mexer em suas feridas”.
As irmãs da Via Casilina recordam que os pobres quem vinham lhe pedir comida formavam filas intermináveis e a panela da madre não se esgotava até que o último não ia com sua porção de sopa.


As irmãs espanholas


Em Roma este tropel de irmãs metade espanholas e metade italiana, que se distinguem por sua extrema juventude, pelo seu trabalho eficaz e porque cantam sempre durante o recreio, não pode passar despercebido. Começará então uma pressão a que sempre se verá submetida a fundadora: a dos bispos que querem que lhes mande irmãs para fundar comunidades em suas dioceses. A madre é zelosa com suas filhas. As quer com entranhas espirituais e maternais ao mesmo tempo. Custa-lhe horrores separar-se de cada uma de suas filhas e, ademais, espera sem pressa que se vá cumprindo a promessa que ela fez àquele cardeal que, para atrasar a aprovação, lhe havia posto como pretexto a excessiva juventude de seus membros. “Reconheço, eminência, que são umas meninas, mas lhe prometo formalmente que este defeito a congregação vai sanando dia a dia”. E assim aconteceu!


Collevalenza Di Todi


O bispo de Camerino, monsenhor Bruno Fratteggiani, escreve no prefácio de um de seus livros: “Muitos me perguntam sobre os milagres de madre Esperança. Eu os respondo: Ide a Collevalenza e vereis um. Collevalenza é o milagre de madre Esperança”.
Chegou a este povoado da região franciscana em 1951. Era tão pequeno que não estava no mapa... Agora...
Tinha que sair da estrada principal cinqüenta quilômetros antes de chegar a Perugia subindo de Roma até Florência. Uns engraçados depósitos de palha serviam de referência, à direita, no alto de uma colina, a um quilômetro de distância. Uma placa de trânsito indicava: Roma, a 121 quilômetros. Hoje, as torres futurista de Julio Lafuente, que domina todo um espetacular complexo religioso, são vistas a uma grande distância.
Madre Esperança instalou-se como pode naquele mês de agosto de 1951. A bagagem era a de sempre: muita fé, um enorme sonho e a firme disposição de seguir as indicações do Senhor até o fim do mundo se fosse preciso. Quantas vezes havia perguntado ao Senhor: “Mas, por que me trouxeste até aqui?”. Hoje está tudo claro.
Era um povoado que não chegava a mil habitantes, a maioria espalhada em casebres, famoso na comarca por um bosque de árvores centenárias onde os caçadores iam pegar pássaros com abundância com suas redes. Ali Jesus lhe deu a primeira explicação: “Esperança, transformaremos este bosque em lugar de captação de almas. Chegarão a vir aos bandos, mais numerosos que estes passarinhos. Aqui tens que aprender a conhecer-me melhor”. Vamos, pois, à obra...
Em 15 de agosto se estabelecia ali definitivamente com suas Servas e com os Filhos do Amor Misericordioso que acabara de fundar em Roma.
O padre Alfredo di Penta sorria modestamente se alguém não muito bem informado ousava chamá-lo co-fundador.
_ Fundadora, uma. E grande, a madre.
Mais surpresa ainda ficou a madre ao saber que o primeiro filho de sua nova congregação masculina veria a ser precisamente... Alfredo.
_ Como que Alfredo? O contador da obra? Este jovem que parece que não tem outro entretenimento do que fazer contar e pilotar aviões? “O senhor está brincando... Com menos de um cardeal eu não começo..., ou pelo menos me dá um bom jurista, já sabes como o Vaticano é exigente com estas coisas.”
_ Cale-se, inexperiente! Para que logo acreditem que essas são obras dos homens? Você, tranqüila, comece com o Alfredo e tenha fé... Já verás que não nos arrependeremos...
-A fé me sobra senhor, mas já sabes que esse moço não é padre e nem sequer lhe passa pela cabeça a idéia do sacerdócio.
_ Pois bem, você fala com ele e já verá... e vai procurar um bom seminário para ele, que é o que não falta por essas terras.
Mais uma vez o Senhor escreveu certo em linhas tortas. Depois do susto previsto, no princípio, Alfredo aceitou com muita alegria os planos do Senhor. O seminário de Viterbo foi testemunha de seus esforços para acostumar-se à vida comunitária e sobretudo para aprender logaritmos e declinações, tanto em grego como em latim, e quatro anos mais tarde o Santuário de Colevallenza abrigou sua primeira missa cantada. Até então já se havia unido a ele, alguns outros jovens sacerdotes de forma meio parecida: Gino Capponi, Arsênio Ambrogi, Alfonso Mariani, Elio Bastiani e os quatro Mários: Tosi, Gialletti, Montecchia e Strafi.
Quando chegaram a doze, quis celebrar com grande solenidade e levou toda a congregação “italiana” ao santuário da Virgem de Loreto, porque queria compartilhar com a Mãe Celestial sua incontida satisfação. Estava realmente muito alegre naqueles dias. Esperança se sentia com alguma vantagem sobre o próprio Jesus: “Esses pelo menos têm alguma cultura...”
A Madre se acomodou em Colevallenza em uma casa de aluguel e apesar de ser tão pequena, desde o princípio quis acolher os primeiros seminaristas e lhes proporcionar os estudos. Os famosos “pequenos vocacionados” constituíram desde o começo a primeira e melhor base da congregação.
Aos dois anos de sua chegada a Colevalenza a nova e original família religiosa já tinha sua própria casa. O edifício de recente construção é, ao mesmo tempo, casa das Servas, seminário, residência dos padres e casa do clero. Pode ser que sejam os anos mais pacíficos e fecundos de sua vida. Não serão eminências, não serão os padres famosos que a rodeam, mas formam uma pinha ao redor de sua fundadora. Longes de se sentirem envergonhados por terem uma mulher como fundadora, como ela teme e não esconde, se sentem orgulhosos e felizes com ela.
São jovens e vêm do clero diocesano, porém logo, com a mestra que têm, aprendem e assimilam as características da vida religiosa. Eles mesmos chegam a ser bons diretores espirituais, experientes e eficazes. A madre sonha com os olhos abertos que eles possam ser os guias espirituais seguros de suas próprias irmãs. Sonha, sonha feliz e se orgulha e repete que ninguém como ela pode compreender e justificar a ambição da mãe dos filhos de Zebedeu, porque experimenta em seu coração a mesma ambição de mãe.
Aos seminaristas também pode ir plasmando-os à sua imagem e semelhança. Sobram-lhe tato, psicologia e luzes interiores para ser uma inigualável mestra espiritual e formadora de almas religiosas.
Profunda conhecedora da natureza humana, tinha para com os caídos uma delicadeza verdadeiramente feminina e maternal. Não se escandalizava em absoluto ante as debilidades e, particularmente com os sacerdotes, fazia todo o possível para tira-los de problemas de todos os tipos e muitos lhe eram devedores de sua recuperação moral e sobretudo de uma total discrição.
O Bosque que sobretudo ao entardecer é uma algazarra de trinos e gorjeios, as colinas ao redor, tão típicas na geografia da região lhe brindam com a possibilidade de viver em contato com a natureza. Seu provado físico aspira o oxigênio campestre, a brisa dos montes. Em maio se surpreende e admira ante a invasão dos vaga-lumes multiformes, esses diminutos seres de luz voadores que brincam e resplandecem entre os trigais produzindo um espetáculo fantástico. Sorri divertida quando os pequenos vocacionados espanhóis, tão surpreendidos quanto ela, os capturavam nas mãos e os levavam para que pudesse vê-los de perto.
Ainda que sua mente e seu coração estejam permanentemente ocupados pelo Amado, conhece e percebe a presença de grandes místicos que têm feito essa terra célebre. Em um raio de menos de 50 kilômetros se encontram o berço e as urnas de Francisco, Clara de Assis e de Montefalcone, Rita de Cácia, Bento de Núrcia, Felipe Benizi, Jacoponi da Todi, Feliciano, Terenciano, Ubaldo, Valentin, Erculano, Martín, Fortunato... quem, seguramente, já estão fazendo eco no coro celestial à espanhola recém chegada em sua terra.

O Amor Misericordioso arma a sua tenda

Guardava o segredo desde pequena, porém o revelou em uma luminosa manhã de primavera. O céu da região era particularmente azul aquela manhã e um sol esplêndido iluminava a cena simples e comovedora: uma senhorita francesa, muito amiga de Collevalenza, tinha conseguido que desde Lisieux enviassem uma linda estátua de madeira de santa Terezinha ao santuário de Collevalenza. A madre estava presente quando a descarregaram da camionete. Quando viu aparecer entre os papelões e as serragens da embalagem o rosto da jovem e bonita santa francesa se pôs como uma louca de tanta felicidade. Acariciava-lhe e ia limpando-lhe o rosto e lhe ia dizendo frases carinhosas como a uma íntima amiga. Mais tarde nos explicou que a conhecia desde pequena e contou que quando tinha doze anos, ao sair á porta de casa para dar um donativo a uma jovem religiosa pensando que isso era o que ela queria, ela lhe respondeu com uma doçura celestial: “Não é pra isso que vim, garotinha; Vim para dizer-te da parte do bom Deus que você terá que continuar a partir de onde eu parei”, e logo desapareceu. Era ela mesma, Terezinha de Lisieux, sem sombra de dúvidas e a madre já tinha agora mais claro o que deveria fazer: continuar com a difundir a devoção ao Amor Misericordioso.
Em um diário em que o diretor espiritual lhe ordenou ir anotando as graças especiais que o Senhor a concedia, se lê: “No ano de 1927, sendo eu religiosa da Congregação de Maria Imaculada, em 30 de outubro, o Bom Jesus me pediu que me desse por completo a colaborar fortemente com o padre Arintero, religioso dominicano, para fazer conhecer a devoção do Amor Misericordioso.
O movimento do Amor Misericordioso, um grupo de pessoas que colaboram com o sábio dominicano, atravessava um momento dinâmico e a imagem de um crucifixo com a Sagrada Hóstia detrás e uns raios que desciam desde o coração de Jesus, se estava fazendo cada vez mais familiar pela Espanha, França e América.
A revista “La Vida Sobrenatural”, para onde confluía a aportação de várias pessoas que assinavam com o comum pseudônimo de Sulamitis, era o principal veículo da nova devoção. Esperança também colaborou, ainda que não se saiba exatamente em que medida e durante quanto anos. Tampouco é fácil reconhecer hoje os seus artigos entre os dos demais. Bem é a verdade que a alma visível do movimento, padre Arintero, faleceu um ano depois, em 20 de fevereiro de 1928, e que a devoção sofreu uma parada momentânea por decisão da autoridade eclesiástica.
Não sei se é exagero dizer que o peso da responsabilidade recaiu anos mais tarde sobre os ombros de madre Esperança. O caso é que o Santuário do Amor Misericordioso se converteu no ponto neurálgico desde o qual, difundindo constantemente até hoje essa devoção.

O crucifixo

Expressão plástica, retrato fiel e compêndio teológico do Amor Misericordioso é o belíssimo crucifixo que se venera no Santuário de Collevalenza. Sua origem está envolta em um bonito mistério. O judeu que a madre apresentou para que posasse..., muito parecido com Jesus. Coullaut Valera pode estar orgulhoso de sua obra. Esteve alguns anos na capela do Colégio de Larrondo, em terras bilbaínas. Agora é o eixo, o coração e o centro do santuário de Collevalenza. É isso, o Amor Misericordioso, precisamente. Um Jesus vivo, em postura ereta e digna, com os olhos carregados de serenidade e carinho olhando para o Pai para recordar-se de sua oblação voluntária e eficaz: “Pai, perdoa-lhes; não sabem o que fazem”. Cuidado até nos mínimos detalhes: o letreito trilingue, a abertura no peito, cada gota de sangue. A palavra latina “Charitas”, no coração suficientemente eloqüente, a coroa que recorda sua realeza sobrenatural. Uma grande Hóstia branca às suas costas nos está recordando que o sacrifício de Jesus se perpetua na Eucaristia e o título em castelhano resume tudo: “O Amor Misericordioso”.
O fluxo espiritual que se estabelece entre o olhar de Jesus e as centenas de olhares que nele se fixam diariamente... imprescrutável.


Religiosa ou construtora?

O primeiro surpreendido foi o bispo de Todi, monsenhor Alfonso Maria De Sanctis ao se ver diante da madre Esperança solicitando permissão para a construção de uma nova igreja.
_ Para quê? A senhora tem uma linda capela no instituto e a paróquia de São João Batista é o suficiente para os feligreses (como era chamado o povo de Dom Camillo e de Peppone, metade comunista e metade de Collevalenza, cristã naquela época).
_ É que o Senhor me disse que aqui quer que levantemos seu santuário; que virá muitas pessoas dos lugares mais distantes, que...
_ Bom, bom, se a senhora arca com os gastos... nenhum obstáculo.
A surpresa de sua excelência foi ainda maior no ano seguinte, quando veio a inaugurar a pequena igreja, obra do arquiteto madrileno Julio Lafuente, que em sua forma de cruz vagamente aerodinâmica, aludia ao antigo ofício de aviador de Padre Alfredo.
Desde o dia da inauguração se viu absolutamente incapaz de conter a avalanche de gente que se viu encima.
Poucos anos depois, em 1959, haja visto que o binômio madre Esperança-santuário havia se convertido em meta de constantes peregrinações, o mesmo senhor bispo de Todi lhe outorgou o título de Santuário.
Pouco tempo mais tarde, o papa João XXIII enviou um lindo círio outorgando-lhe o mesmo tratamento dado aos grandes santuários da Itália.
Somente do céu monsenhor De Santis pode ver, dois anos mais tarde, ao lado do santuário por ele consagrado, se inaugurava, desta vez pelo cardeal Alfredo Ottaviani, acompanhado de sessenta bispos de diferentes países, a nova e linda igreja, inferior e superior, que completava o primitivo santuário.
O processo de transformação do “Bosque” desenvolvia-se ante os olhares atônitos de conhecidos e estranhos. Somente a madre o tinha claro, como se em uma de suas visões, tivesse podido observar atentamente de antemão a maquete.
“Naquela vinha poremos o noviciado” – chegou a dizer repetidas vezes – naquele trigal, a casa do peregrino e à sua direita o hospital; No monte debaixo, a Via Crucis. Aqui no pomar, ficará a basílica. Ali se poderá fazer uma grande praça, porque Jesus disse que esse tem que ser o santuário maior de todos, o santuário de seu amor. Aos outros as pessoas vão rezar aos santos ou à Virgem; aqui virão para rezar e encontrar a Deus. Os homens descobrirão que Ele é um Pai que lhes ama ternamente, que quer que todos se convertam, que esquece os pecados dos homens e não os tem em conta”.
Collevalenza é hoje tudo isso com precisão milimétrica.

A colina costa abaixo

Madre Esperança viu com grande surpresa e logo com ativa satisfação como os peregrinos chegavam cada vez em maior número, solicitavam graças cada vez mais freqüentes e impossíveis, passavam pelo santuário, rezavam fervorosamente, se confessavam e se iam consolados e esperançosos. Assistiu emocionada a aquelas comoventes cerimônias sem ritual prévio que eram a apresentação dos primeiros relatos de grandes milagres. Chegavam pessoas curadas “milagrosamente” e queriam deixar nas paredes do santuário um quadrinho com um coração de prata como sinal de eterna gratidão. Todos rezavam juntos, cantavam os hinos do Amor Misericordioso e de Maria Medianeira, uma saudação efusiva e “se iam” até a chegada iminente do próximo, logo de outro, outra cura humanamente inexplicável que reunia a comunidade dos padres, irmãs e os pequenos vocacionados em outro ato de gratidão e de fé.
Os beneficiados se encarregaram de passar a notícia, de tal forma que o afluxo de pessoas a Collevalenza não fazia mais que crescer.
Foi necessário pôr uma certa ordem à avalanche de fiéis, fazer reservas, encarregar a uma religiosa a ordem e o despacho da correspondência... (Setecentas mil cartas em um período de vinte anos!)
Madre Esperança te recebia com a nobreza de uma fidalga espanhola – escreve um italiano – sempre de pé, apoiada um pouco com uma mão na borda de uma mesa, já que a saúde não colaborava; te escutava atentamente, te olhava com aquele olhar penetrante, te levantava o ânimo, te recomendava rezar ao Amor Misericordioso, prometendo ela fazer o mesmo...”
Da salinha da madre ao santuário. Era o caminho obrigatório. Não queria protagonismo para si. Considerava-se um mero instrumento do Senhor, e jamais se atribuía as maravilhas que por seu intermédio Deus operava. A vassoura que trabalha sem pretensões e que se deixa em um canto, a bucha que se joga fora depois de usada, o pavio que se consome até a última chama eram os símbolos que utilizava ela mesma para dar a entender a natureza de sua colaboração nos planos de Deus. Era Jesus o autor, o protagonista de Collevalenza; ela um simples instrumento nas mãos da Providência. Isso sim, seu maior desejo era o de ser um instrumento útil. “Rogai a Deus que me conceda a graça de fazer sempre e somente tudo o que me pede”, era o que repetia constantemente e sua obsessão.

Um helicóptero e uma Encíclica

É uma libélula que voa e faz ruídos no céu de Collevalenza? Não, é um helicóptero. Chegava com o escudo amarelo-branco do Vaticano. É João Paulo II a figura branca que descendo se dirige até a escadaria da basílica.
O aparato da Aeronáutica Militar se posiciona assinalando o centro da graciosa e espaçosa praça redonda a que La Fuente tem dado a aparência de heliporto.
A notícia dá volta ao mundo. O Papa volta a sair do Vaticano, recomeça a atividade com suas viagens. Está curado.
Não beija o solo; vai direto ao santuário. Para trás fica o susto do disparo daquela manhã de 13 de maio, a corrida angustiosa da ambulância até a Policlínica Gemelli, aquela mancha vermelha sobre seu hábito cândido e o grito apenas sufocado do médico que lhe atendeu em um hospital romano: “Me trouxeram um cadáver”.
O que se passa hoje com a madre? Se perguntavam preocupadas no mesmíssimo instante as irmãs de Collevalenza. Madre Esperança teve sangramentos e não chegavam a compreender as boas irmãs o motivo nem lhe buscaram remédios. O demônio devia então ter lhe aprontado uma das mais furiosas broncas de sua vida. E já havia lhe aprontado tantas...
Porém em Collevalenza já haviam amadurecido as uvas e os figos e os dois convalescentes estavam melhor. Surpreendeu, porém não a todos, a frase do santo padre no santuário: “Viemos em visita a este santuário porque à misericórdia de Deus somos devedores de nossa saúde”.
Quem pode decifrar as múltiplas e poderosas relações das almas místicas com os acontecimentos de seu tempo?
Uma coisa era bem certa: o papa passeava naquele momento pelas dependências do santuário, saudava e abençoava; visitava e observava com atenção; se ajoelhava diante do crucifixo do Amor Misericordioso.
Era o dia 22 de novembro de 1981.
A irmã Amada (que sempre zelava pela madre) e suas acompanhantes empurravam com atenção e descrição a cadeira de rodas, não fosse que chegasse a suceder com o Papa o que pontualmente sucedia em ocasião de visitas de prelados e cardeais: as pessoas se esqueciam do ilustre hóspede e se dirigiam a ela enquanto vislumbravam a presença da madre. João Paulo II, que já a conhecia desde que a visitou sendo bispo de Cracóvia, a encontrou assim, em sua cadeira de rodas. Aproximou-se dela, inclinou e lhe depositou um beijo na fronte. Por um instante a palidez de sua pele ficou rubra como uma rosa. Que bonito és, Senhor, na frente de teus enviados o selo de tua Igreja!
Os Filhos e as Servas do Amor Misericordioso não cabiam em si de satisfação. Quem havia dito que jamais sonharam com a visita do papa a Collevalenza, que isso equivaleria a canonizar em vida a fundadora e que a Igreja era muito mais sábia e prudente que tudo isso? Não era suficiente às Sevas e aos Filhos do Amor Misericordioso o presente da recém-encíclica?
Nem que o papa tivesse a tivesse escrito para lhe enviar em homenagem à madre, a encíclica Dives in misericórdia, reconhecia, analisava, estudava e proclamava ao mundo que Deus é rico em misericórdia, um Pai bom, o Amor Misericordioso, o que a madre havia vivido e anunciado durante sua vida.

E sempre seguiremos olhando com seus olhos

Recordam as irmãs que conheceram a atividade vulcânica de sua juventude que nos momentos de maior atividade e popularidade acostumava pedir em oração: “Peça-me, Jesus, o que queres, mas na velhice faze que passe dez anos em total inutilidade e sem poder me valer para que não reste nenhuma dúvida nem em mim, nem nos demais de que o único autor de tudo o que faço és Tu”.
Jesus lhe atendeu o pedido. Progressivamente seu físico foi decaindo e sua cabeça também. Olhando em seus olhos se via que seu coração seguia ardendo até o final. Pode-se perceber então que realmente havia sido e seguia sendo um extraordinário instrumento de transmissão de graças nas mãos do Senhor. Os peregrinos continuavam chegando aos milhares já sem reservas nem aviso. Esperavam com alegria e paciência. Conformavam-se em vê-la por um momento, em ouvir sua voz, em saber que continuava viva. Ao meio-dia olhava da janela por um instante. Brevíssimas palavras de saudações, de ânimo; prometia orações uma vez mais..., enquanto lhe era possível.
Já no final, os que podiam passar pela vigilância e aproximar-se até ela captavam nítido sua própria mensagem em seus murmúrios, se sentiam regenerados pelo magnetismo de sua presença e, sobretudo, se perdia no fascínio de seu olhar como em um mar de misericórdia. O que tinham? O que havia ainda nos olhos da madre?
A vida terrena se apagou na manhã de 8 de fevereiro de 1983.